Formados nos templos, profissionais fazem
carreira no mercado secular. Educação gospel
abastece bandas de Fábio Junior a Racionais MC's
“Esse cara é bom, vem da igreja” é uma expressão
comum, usada por músicos como Simoninha, na
hora de avaliar alguns dos profissionais que
trabalham com eles - no caso da banda do carioca,
quatro dos sete músicos se encaixam na descrição. O
papel preponderante da música dentro das inúmeras variantes de igrejas evangélicas no Brasil,
criou, involuntariamente, um mercado paralelo de
capacitação.
“A gente fala brincando, entre os músicos que não
são religiosos, que não têm vínculo nenhum. É uma
forma de dizer que o cara é disciplinado, maduro e competente. Tem muita gente dessas igrejas no meio
musical, um acaba puxando o outro”, explica o filho
de Simonal.
Alguns profissioanais, como Robinho Tavares,
baixista de sua banda há 12 anos, chegam a atrair
uma legião de fãs evangélicos por onde a turnê de Simonal passa. " Já virou piada. Vamos fazer show
tem seguidores do Robinho, ele tem fãs no país
inteiro."
Cantar é parte importante dos cultos evangélicos.
Com a abrangência da oportunidade de integrar a
parte musical do louvor, quem se converte muitas vezes acaba descobrindo um talento ou, pelo menos,
a possibilidade de aprender a tocar um instrumento
e cantar. O esquema é colaborativo, ou “mambembe
mesmo, sem regra, ar condicionado, estrutura de
sala de aula. É na base da repetição e
autodidatismo”, como define o regente Nilton Silva, 37.
Como muitos talentos, ele cresceu no meio religioso.
Seu pai, também maestro, logo que passou a
frequentar os cultos recebeu a incumbência de tocar
trompete. Sabia cantar, mas não tinha a mínima
noção do instrumento de sopro. Em dois anos, assumiu o posto de professor e treinava novos
recrutas.
“Meu pai é maestro desde que me conheço por
gente. Ele aprendeu a reger sozinho e, depois que se
converteu, passou a tocar trompete também.
Aprendeu na marra, lendo partitura, estudando sozinho. O esquema é: senta aí e vai pegando com os
que já sabem.” Família Jackson Nilton cresceu participando de corais gospel. Ele e os
três irmãos formaram um quarteto na infância e
faziam sucesso no cenário religioso. “Minha mãe
aprendeu a tocar piano com meu pai e eles
ensinaram tudo pra gente. Repetíamos o que eles
mandavam, tínhamos uma voz boa, mas não sabíamos direito o que estávamos fazendo.”
Com o gogó afinado e popularidade nas igrejas
evangélicas de Campinas, interior de São Paulo, aos
22 anos, ele dava aulas de canto particulares. Tinha
seu cartão divulgado nos painéis dos templos e
ganhava para ensinar o que sabia a quem estivesse disposto a pagar. Nessa época, resolveu montar um
coral profissional. Convidou amigos e conhecidos
competentes do meio e fundou o Kadmiel – segundo
ele, o único coral do Brasil que não canta só dentro
de igreja.
“A maioria dos contratantes não é evangélica, não tem vinculo nenhum. Em março, por exemplo,
cantaremos no casamento da modelo Carol Trentini ,
em Santa Catarina. Ela não é evangélica. Trabalhamos
muito bem nesse meio. Cantamos de tudo um
pouco.”
A ideia transformou Silva em uma espécie de headhunter de backing vocals. Artistas como
Simoninha, Paula Lima, Alexandre Pires, Sandy e
Junior já procuraram por ele pedindo indicação ou
até mesmo interessados em usar o coral em
gravações de programas de TV, CDs e temporada de
shows. “A Paula Lima viu nossa apresentação e ficou
encantada. Trocamos cartões e tempos depois ela
queria indicação de cantoras para a turnê e gravação
de CD. Minha irmã é do Kadmiel e foi backing dela
durante um ano.” Trampolim Shirley Oliveira durante apresentação
no bar The Orleans, em São Paulo
(Foto: Caio Kenji/G1) Exportar talentos para o mundo secular passou a ser
uma rota comum. Shirley Oliveira, 32, está como
vocalista da banda do baixista Pixinga durante a
temporada de shows que ele faz em um bar na zona
oeste da capital paulista. Ela já fez segunda voz para
Alexandre Pires, Jair Oliveira, Tânia Mara, Daniel e Jair Rodrigues. Foi para a igreja Universal aos 7 anos,
influenciada por uma amiga.
Depois que virou cristã, enfrentou uma “peneira”,
realizada pela esposa do pastor, que se encantou
com o poderio de sua voz. Teve aula de técnica
vocal, cantou em corais e, com o tempo, descobriu a profissão que queria seguir.
“Dos 7 aos 10 comecei abrir voz. Fiz regência com
15. Aos 16, descobri a música black gospel. Na
época era VHS ainda, os colegas me davam fitas pra
eu escutar. Fiquei apaixonada por esse tipo de
música e fui de ouvido mesmo buscando ter aquele estilo, entonação vocal. Não tive estudo, fui pegando
conforme era apresentada, ou descobria novas
referências.” Versáteis O autodidatismo também deu a Aldo Gouveia, 42, um
lugar cativo na banda do cantor Fábio Junior, com
quem trabalha desde 2003. Antes disso, fez segunda
voz em shows dos Racionais MC´s.
Segundo ele, o rapper Mano Brown chegou a
frequentar alguns cultos atrás de cantores. “Temos amigos em comum, pessoas do meio. Ele precisou de
backing em 96 e eu fiz alguns shows.” Hoje, Aldo é produtor musical e tem um estúdio
próprio no centro de São Paulo. Faz trabalhos para
todo tipo de banda, mas considera a educação
musical religiosa um atestado de qualidade e,
principalmente, desenvoltura.
“Músicos da igreja têm que correr atrás. O acesso existe, mas não é uma formação de alto nível. Quem
gosta, tem o sonho, se vira pra se capacitar. Com o
tempo, isso foi formando um grupo seleto de
profissionais mais versáteis, maduros e uma rede de
contatos.”
G1
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