Nunca tinha ouvido a música “Ai, Se eu Te Pego”, do autor em epígrafe, e aproveito para fazer um lembrete: sim, é possível escolher o que se ouve. “Ah, mas toca no ambiente...” – então escolha seus ambientes, ora. Mas sigamos.
Há uma polêmica hoje no tuíter sobre a revista Época ter dito que Michel Teló representa a “cultura brasileira”. Não entendi qual a grita, porque ele OBVIAMENTE REPRESENTA SIM A CULTURA BRASILEIRA. Fui atrás dos fatos.
Textos superficiais, bobagens inócuas, gente que tradicionalmente fala sobre temas bobos agora bancando os baluartes das belas artes. E assim por diante; o de sempre, afinal.
Cultura, para boa parte da população ignorante do Brasil, tem significado de “erudito”. Errado, claro. Cultura é produção, basicamente; e, no plano das artes, é aquilo que se faz – seja na esfera clássica ou popular. Quem tem polegar opositor sabe que se trata de uma dualidade “natural x cultural”, sendo este último conceito tudo aquilo produzido pela humanidade (gostemos ou não). Simples assim.
Michel Teló faz música popular EXATAMENTE NOS MOLDES em que ela é feita na tradição cultural brasileira. Não se trata aqui de gostar ou não, mas de constatar um fato pra lá de óbvio. E fica ainda mais idiota quando dizem coisas como “a letra é ruim” ou afins.
Vejamos um pouco de nossa cultura (e MUITOS que xingam Teló consideram isso válido - mostrando que ignorância e incoerência geralmente caminham pela mesma estrada de raciocínio):
"...alalaô ôôô que calôôô... tava andando no deserto do saara, o sol estava quente e queimou a minha cara” / “olha a cabeleira do Zezé, será que ele é? Será que ele é?...” / “...acuma é o nome dele? É Mané com Floriano...” / “...mas como a cor não pega mulata, mulata eu quero seu amor”..."
Acho que entenderam o ponto, né? Perto de vários ÍCONES DA CULTURA MUSICAL POPULAR BRASILEIRA (aceita), é seguro afirmar que Michel Teló poderia concorrer ao Nobel de Literatura. Isso é ruim: NÃO. A música popular é isso mesmo, entretenimento. É muito mais um acerto divertir que ~fazer pensar~. Ademais, a diversão por meio da música alheia aos padrões clássicos é bem mais arraigada em nossa cultura que o inverso.
A cultura de música popular brasileira é composta por, entre muitos outros, Amado Batista, Tião Carreiro e Pardinho, Odair José, Roberto Carlos, Reginaldo Rossi, Ivete Sangalo, Gonzagão, Waldick Soriano, Banda Calypso e muitos, muitos outros. Nenhum deles – nenhum! – com pendores cabecistas ou algo do tipo. Essa é a verdadeira e inequívoca tradição de nossa música popular.
Chega a ser engraçado quando os contestadores da “música do povão” têm como ídolos outros IGUALMENTE POPULARES, ainda muito distantes de qualquer músico efetivamente erudito, mas apenas aparentemente mais letrados (ou menos iletrados) que os ídolos da maioria da patuléia.
Esse olhar que vocês dirigem aos fãs de Michel Teló é o mesmo (ou deveria ser) o dirigido a vocês pelos conhecedores de música clássica. Com uma diferença: vocês estão mais distantes destes que aqueles de vocês.
Michel Teló, enfim e de fato, representa a cultura brasileira, a cultura e a história da música (realmente) popular feita no Brasil. Há os que negam isso simplesmente por ignorância, daí não há o que fazer a não ser ter um pouco de pena e segurar o riso constrangido.
Mas ter raiva e até expor agressividade, convenhamos, é divulgar aos quatro ventos a falta de conhecimento básico sobre que realmente configura a cultura de um povo; especialmente do nosso povo.
E, de mais a mais, daqui a cinco anos boa parte dos que agora xingam o cantor estarão dançando e gritando ao som de sua música, em alguma dessas festinhas de revival. Como fazem hoje com P.O.Box, Molejo e tantos outros.
ps.: Ao discutir “cultura”, é de bom-tom conhecer ao menos o SIGNIFICADO da palavra, que deriva do alemão “kultur” e não tem exatamente QUALQUER vínculo com algo clássico ou erudito. A “cultura” de um povo, num exemplo rápido, consiste em seus hábitos, crenças, produções artísticas, festas etc. Parece picuinha, mas é realmente estarrecedor como às vezes as pessoas têm opiniões fortes sobre um conceito que desconhecem.
Sobre REPRESENTAR A CULTURA
Assim como o próprio termo "cultura", parece que a palavra "representação" não tem sido devidamente aplicada na hora de sua leitura. Vamos lá: representar significa simbolizar, substituir, exercer mandato etc. Mas aí entra o raciocínio sobre a aplicabilidade do termo: NÃO EXISTEM APENAS REPRESENTAÇÕES INDIVIDUAIS. Há também as coletivas.
Assim como o próprio termo "cultura", parece que a palavra "representação" não tem sido devidamente aplicada na hora de sua leitura. Vamos lá: representar significa simbolizar, substituir, exercer mandato etc. Mas aí entra o raciocínio sobre a aplicabilidade do termo: NÃO EXISTEM APENAS REPRESENTAÇÕES INDIVIDUAIS. Há também as coletivas.
Você não gosta do Tiririca? Pois ele o REPRESENTA na Câmara, assim como outros QUINHENTOS E TANTOS. Não há um único deputado que - sozinho - REPRESENTA O POVO, mas sim uma pletora de parlamentares, muitos deles pra lá de lamentáveis, que exercem essa função. E é lícito dizer, por óbvio, que tanto todos quanto apenas um representam/representa a vontade eleitoral do povo. É isso.
Na música, mesmo raciocínio, com a diferença de que não exercem mandato nem são eleitos pelo sufrágio direto de toda a população por meio de urnas, tanto menos seriam escolhidos por um colégio eleitoral indireto formado por gente que "entende de música". Cultura não é erudição assim como representar não é algo necessariamente isolado e individual.
Então, onde se lê "representa a música popular" não se deve entender "é o único que a sintetiza na própria imagem e obra", mas sim "faz parte do grande grupo dos que representam". Vamos lá, não é tão difícil.
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